72 #septuagésimo
segundo gole
 
Oi queridos,
tudo bem?
 
Eu me lembro da aliança que a minha avó usava no dedo esquerdo. Era um anel de ouro grosso e apertado pra sua mão gordinha. Eu, de criança, adorava tirar o anel do dedo dela e ver que a parte da pele em que estava a aliança ficava marcada, mais fina e mais clara. Eu mexia no seu dedo pra ver se a pele voltava ao normal, mas a aliança já tinha ocupado um lugar eterno no seu anelar.
Acho interessante o poder que certos acessórios/objetos adquirem na nossa vida. 
Minha mãe usa todos os dias uma correntinha com uns pingentes que fazem barulho quando ela anda pela casa. É só ouvir o barulho que os penduricalhos fazem entre si, que a gente já sabe que ela está por perto.  
Já ver meu pai é se deparar sempre com o violão que ele leva a tiracolo. Violão esse que já foi do meu avô e também traz a lembrança dele toda vez que meu pai o toca. 
 
A gente se apega a coisas, né. Passamos os dias montando uma casinha de boneca ao nosso redor, acumulando uma série de lembranças embutidas em pecinhas, cartões, brincos, guarda-chuvas, souvenirs e rolhas de vinho.
 
Eu acho lindo essa aura mágica que nos faz observar um relógio e, na sequência, os nossos olhos se encherem de água porque aquela peça foi de alguém querido um dia. Não é uma maluquice bonita pensarmos que somos feitos daquilo que usamos ao longo da vida? 
 
Tô reformando minha casa. E pra abrir espaço pra tinta e móveis novos, quis me desfazer de muita coisa que eu tinha guardado. 
Mas como a gente escolhe se joga ou se fica com uma lembrança? 
Numa das gavetas, encontrei uma pulseirinha que um moço que eu saí em 2016 fez pra mim. Eu estava apaixonada e aquele objeto parecia ser o símbolo do início de uma história de amor que não passou de 2 meses. Pois a pulseira se escondeu na gaveta por 7 anos, e foi só pegá-la para eu voltar naquela noite de show de rock, no maior frio que já fez em São Paulo, com nós dois nos beijando num terraço de um antigo prédio na Bela Vista. 
Pulseirinha besta. Como ela consegue resgatar memórias assim? Quem ela pensa que é? 
 
Um dia desses eu e minha irmã mais velha brigamos com a minha mãe por uma bobagem e, no auge da nossa tristeza pelo mal entendido, minha irmã disse: a vida não tem sentido algum. estamos aqui só passando o tempo. 
 
Essa é uma daquelas frases pessimistas que saem quando a gente está chateado e aí já aproveita pra desafogar uma verdade sincerona sobre a existência na Terra. Mas no que ela falou isso, fiquei pensando que - independente do que a gente acredite - não é de todo errado dizer que estamos “só” passando o tempo aqui. A gente cria enredos, decora a casa, senta pra trabalhar em frente ao computador, faz dos objetos ao nosso redor parte da nossa invenção, se apega a copos, óculos e livros, coloca uma carga emotiva na agenda de anotações, nos ímãs de geladeira, na própria geladeira, nos brinquedos da infância que nos olham ali da estante dizendo: estamos aqui pra te lembrar que você cresceu. 
 
A gente cria o nosso cenário. Passamos os dias correndo pra lá e pra cá se vestindo e se despindo de anéis, brincos, a camisa preferida, o sapato daquela viagem, o gorro que era da tia, a calça preta que lembra daquele jantar em família. A gente tem que se ocupar de alguma forma, pra não se lembrar que a vida não tem muito sentido mesmo. Talvez o sentido seja o sentido que damos para as coisas. Para as histórias que os objetos levam, passando por várias gerações. Para a crença que colocamos na pedra ametista que carregamos no pescoço. A gente se apega a pecinhas para que, de alguma forma, elas também não se esqueçam de nós. 
 
Não é a toa que a gente abra um sorriso quando vê um telefone antigo numa feira de rua. O aparelho me faz voltar para as minhas férias aos 10 anos de idade em Catanduva, no cantinho da cozinha da minha avó, discando aquela rodinha de números pra minha mãe em Araçatuba, rindo e explicando pra ela que estar com meus avós era a melhor infância de toda vida. 
 
Objetos eternizam a nossa história para mais pessoas. 
E vão polvilhando rastros no caminho que indicam que passamos por aqui. 
 
Talvez seja isso, minha irmã …. talvez a vida só faça sentido se tivermos algo para deixar. 
 
Fiquem bem <3 
 
Todos os goles passados estão disponíveis para leitura lá:  www.claravanali.com.br 
Em especial, você pode gostar do gole 57. 
 
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Um beijo,
Volto logo.
 
 
 
Um rascunho perdido
(textos meus escritos em algum lugar do passado)
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Anos 80.
Larissa, Natali e Clara.
Irmãs juntas, desde sempre. Com todo um mundo pela frente.

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, e aqui, nestes goles, eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)