70 #septuagésimo
gole
 
Oi queridos,
tudo bem?
 
Na última vez em que fui pro interior, fiz uma brincadeira com meu pai em que eu provava pra ele, que eu já tinha vivido uma história em cada quarteirão de Araçatuba. A minha intenção era mostrar que seria impossível eu morar de novo na cidade, porque tudo ali me remetia a algo nostálgico. 
  • a esquina onde eu fiz aulas de violão com meu primeiro professor;
  • o clube em que a gente ia aos finais de semana e comia fandangos;
  • a praça em que assistíamos aos shows de MPB aos domingos;
  • o tiozinho em frente à praça que tirava nossas fotos 3x4;
  • a locadora onde alugávamos 3 fitas cassetes de uma vez;
  • a principal avenida em que caminhávamos todo fim de tarde;
  • a loja de sanduíches naturais que servia o melhor molho rosé;
  • o terreno que abrigava a loja onde comprávamos peixes pro nosso aquário;
  • o centro da cidade que ficava bonito nas noites de natal;
  • o cruzamento de rua em que eu errei na prova de habilitação, mas o instrutor me aprovou mesmo assim.
E nesse bate-bola de que isso aconteceu aqui e acolá, andamos rindo por Araçatuba porque, de fato, eu tinha uma história em cada calçada. 
Deusmelivre viver de lembranças, mas é impossível não ter essa sensação na cidade que constrói sua infância e juventude. 
Pois ainda dessa última vez, uma amiga do colegial me chamou pra uma cerveja. Durante nosso papo, ela disse: pra você, que mudou daqui, essa cidade é só lembranças, mas pra mim, que fiquei, Araçatuba ainda é meu dia a dia. 
Isso me pegou muito. A gente não sente nostalgia da cidade onde ainda vive. Pra ela, Araçatuba não segue sendo um poço de memórias porque ela continuou ali e ressignificou a cidade com um emprego e novos amigos. Pra mim, que fui embora, só sobrou o restante do Projac, com alguns cenários da minha época, preenchidos com enredos de novos atores que eu não conheço mais. 
 
                                                           …
 
Fui à festa de aniversário do meu sobrinho e encontrei um moço que queria ter ficado comigo na época em que eu morava em Araçatuba. Ele me adorava e eu, por algum motivo, não o quis. Quando a gente tem 20 e poucos anos sempre acha que o futuro vai reservar um banquete de pessoas certas quando na verdade ele vai polvilhar poucos grãos de oportunidades que, se você não fechar bem a mão, deixará escapar. E tudo bem, o tempo passou, a gente se cumprimentou gentilmente, só que eu fiquei ali tentando achar um defeito nele para me arrepender menos. Com a vontade também de abrir o livro das minhas desilusões e pedir desculpas a todas as almas gêmeas que eu rejeitei. 
 
                                                       …
 
Cruzando uma rua de Araçatuba, olhei pra frente e vi o Matheus. 
Cacete, o Matheus. Era o meu melhor amigo no colegial. E ele está grisalho. Me deu um nó na cabeça vê-lo de cabelos brancos. Como se eu o tivesse conhecido moleque, colocado-o em túnel do tempo, e quando nos vimos, estávamos os dois com quase 40. 
 
_Caramba Matheus, a gente não se vê há o quê, 20 anos?
_Nossa, muito tempo, como pode, Clara! Éramos tão amigos, tão amigos, meu Deus….
_Você me ligava todos os dias hahaha. Como tínhamos tanto assunto?
_Não me conformo da gente ter perdido contato. Você casou?
_Não, não casei.
_Por que não casou?
_Nunca encontrei alguém que ficasse. E você?
_Tô noivo.
_Que demais! Vai casar quando?
_Ah não sei, não tô com pressa. 
_Posso pegar seu whats app pra gente ficar em contato?
_Pode, por favor. Legal te ver, Clara. Manda um beijo pros seus pais, não sei se ainda lembram de mim.
_Claro que lembram, vou te mandar um oi no whats.
 
Eu mandei um oi no whats, trocamos mais algumas palavras e não nos falamos mais. Algumas amizades existem para determinados momentos da vida. Elas não foram feitas pra durarem pra sempre. E se, ao reencontrarmos esses amigos, sentirmos um luto, significa que um dia ali houve significado. Houve respeito, amizade e uma troca incrível que fez daquela fase da nossa vida especial. Fiquei emocionada em ter encontrado o Matheus, ele foi uma luz nos meus 16 anos, não saberia listar o quanto a gente gostava de conversar e estar junto. Espero que ele seja muito feliz, ainda que não façamos mais parte da vida um do outro. 
 
Te dou a minha saudade, amigo, que a gente sempre se lembre da nossa história com amor. 
                                                    
 
Completei 70 newsletters, leitores. Tô só emoção.
Pra celebrar fiz essa edição com alguns dos sentimentos/encontros que tive na minha ida recente a Araçatuba. Se você se identifica e acompanha meus textos, me escreve respondendo a esse e-mail, adoro conhecer mais sobre vocês. 
 
Fiquem bem <3 
 
Todos os goles passados estão disponíveis para leitura lá:  www.claravanali.com.br 
Em especial, você pode gostar do gole 56. 
 
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Um beijo,
Volto logo.
 
 
 
Um rascunho perdido
(textos meus escritos em algum lugar do passado)
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foste um domingo tão bonito.
que deu dó.
falei com deus.
se tu existe mesmo, deixa ficar.
que hoje isso aqui está diferente.
é a luz. a falta de barulho. o frio que vem com o vento. uma beleza.
fiquei sob tudo.
sendo parte do dia.
porque foi depressa.
e eu quero guardar. 

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, e aqui, nestes goles, eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)