10 #décimo gole
 
Oi, tudo bem por aí?
Bora pro décimo gole? 

É difícil assumir, mas nem sempre a gente consegue ser protagonista dos nossos dias. Às vezes somos só coadjuvantes mesmo, quando não figurantes. Então segue este fio comigo e vamos juntos.
 
Na última semana tive uma crise de labirintite. Esse é um autodiagnóstico porque até o fechamento desta edição (chique falar "fechamento desta edição") eu ainda não tinha ido ao otorrino, então vamos trabalhar com essa possibilidade que na próxima newsletter venho com um prognóstico médico mais certeiro.
 
Só sei que na última quinta-feira, depois de bastante trabalho e agitação de notificações, instagram, e-mail, whats app, senti uma pressão na cabeça e meu ouvido esquerdo tampou. A audição, na sequência, ficou mais sensível, e qualquer barulho parecia um barulhão dentro da cabeça. E eu não estava estressada. Nem preocupada ou ansiosa. Estava só vivendo o turbilhão do segundo semestre - e a consequência talvez de um ventão forte que tomei no rosto semanas atrás. O corpo sentiu e apitou.
 
Como eu já estava com o planejamento de passar o fim de semana em Araçatuba, na casa dos meus pais, decidi seguir viagem. Só que fui fechada no meu casulo com esses sintomas que me incomodavam muito porque ouvido, bicho (e isto também é novidade pra mim), é o amplificador do mundo. Quando algo está errado, tudo ressoa como um martelo gritando na cabeça, pedindo pra gente desaparecer e ficar no escuro sem amigos.
 
Mas nem tudo gira ao meu redor. A família do interior estava feliz, planejaram um jantar, reuniram todo mundo (somos uma família pequena, então todo mundo significa 7 pessoas), abriram champagne, preparam esfihas, homus, coalhada, geleia de pimenta - enquanto eu me via com 20% de interatividade a oferecer. Tomando meu décimo gole com água. Sem poder beber o vinho rosé que eu tanto gosto, sem conseguir ouvir uma música alta ou contar as histórias de São Paulo pra todo mundo. Ainda assim, o mundo não para. Ninguém tinha que cancelar os planos pelo fato de eu não estar no meu melhor estado de socialização.
 
Pra minha sorte, enquanto todo mundo queria interagir e brindar, o meu sobrinho de 3 anos queria brincar. Longe dali. Com as folhas das árvores, com o seu caminhão vermelho ou com qualquer coisa que, pra criança, soa como um universo de possibilidades. Me agarrei a ele - me pareceu um lugar mais silencioso e em que eu não precisasse falar tanto.
Criança, afinal, é um serzinho muito generoso. Eles nos aceitam do jeito que estamos. No nosso melhor ou pior. Não te julgam do porquê você estar sem paciência. Se está mal ou com dor. Querem você só ali, fazendo companhia, dando a atenção que você tiver para oferecer naquele dia.  

E então, eu e ele nos levantamos da mesa e fomos pro quintal brincar de falar nomes de plantas que existem no jardim da minha mãe - zamioculca, echeveria, lavanda, cróton, ixóra. Ele repetia cada novidade e dava risada. Depois ele quis ver desenho, liguei a TV baixinho e estava passando Peppa Pig - num episódio em que ela aprendia a andar de bicicleta. Enquanto ele assistia, eu cochilei.
E assim a noite seguiu. A família conseguiu aproveitar o jantar e eu pude assossegar a cabeça com o Benício ao meu lado. 
E olha, não é que eu não gostaria de estar lá brindando com todo mundo. É que aquela noite não era pra mim, e a gente tem que entender quando o momento pede apenas para fecharmos as cortinas e esperar tudo passar.  
 
Mudando de assunto.
Fiquei empolgadíssima com o lançamento da segunda temporada do The Morning Show, no streaming da Apple. A primeira temporada foi primorosa pela Jennifer Aniston, Steve Carell e Billy Crudup (como ele tá maravilhoso nessa série, fico só babando na atuação). Comecei a segunda temporada e, embora o começo seja meio repetitivo, acho que só melhora. Já valeu para ver como eles inseriram sinais de que uma pandemia estava a caminho logo no réveillon de 2019.
Também tô dando uma chance para Scenes from a Marriage, da HBO, que traz duas atuações magníficas de um casal nos seus autos e baixos. Eu odiei os dois personagens (não confunda com atores). Digo, não me apaixonei por eles e acho que a intenção do diretor pode ter isso exatamente essa. Mas vale muito pela atuação - eles trazem veracidade no olhar, atitudes...tá rendendo. Dá raiva do casal, mas ao mesmo tempo não consigo parar de ver.  

That's all por hoje.
Tô feliz que chegamos ao décimo gole. 
Agradeço aos e-mails e comentários que chegam na minha caixa quando vocês se identificam com algum texto por aqui.
Isso me incentiva demais a continuar, obrigada :)
E se você é novo por aqui, talvez também goste de ler o sétimo gole. 
 
Um beijo,
Volto logo. 
 
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
Primeiro dia da aula de desenho.
Todos deveriam se apresentar, falar nome, idade, o porquê de procurarem o curso, o que faziam de suas próprias vidas.
Eu, procurando um motivo para sair de casa às segundas e sextas, tinha me encontrado ali com lápis, régua e esquadro.
– Vim porque gosto de escrever e acho que a escrita é uma forma de desenho.
:: nesse meio tempo gaguejei, esqueci de falar minha idade, falei pouco do meu trabalho, não mencionei que não sei desenhar absolutamente coisa alguma, e quando percebi já não era mais a minha vez ::
Revirei na cabeça o tanto de coisa que poderia ter dito para que as pessoas me conhecessem nos minutos disponíveis a mim, mas fiquei com a sensação de que não tinha falado nada. Continuava sendo uma completa desconhecida para outros tantos desconhecidos que resolveram se encontrar todas as segundas e sextas pelos próximos cinco meses daquele ano.
Não sei se é permitido não falar bem em público aos 31 anos, após já se ter falado tantas vezes em outras bandas. Mas, na boa, é importante se perdoar às vezes. Ninguém está tão interessado na nossa vida quanto a gente pensa e nem pensando em nós nas horas vagas. Me perdoei por ter tido sintomas de timidez. Por me sentir insegura em um ambiente que até então não é meu.
E talvez seja hora mesmo. De desenhar outras coisas que não me são convencionais. De falar para pessoas que não estão no meu dia a dia. De ir livre e sem compromisso para um curso que não espera nada de mim, apenas que eu esteja lá, disposta a fazer algo que nunca fiz antes.
É que a gente tem essa mania de sair de casa com uma bagagem imensa nas costas, como se tivéssemos sempre que levar tudo o que fizemos até então para que os outros nos conheçam. Como se fôssemos os reis da sabedoria em outras artes. E para que a gente mesmo se aprove para a nova atividade a ser desenvolvida.
Talvez seja o caso de chegarmos apenas com o nosso nome, com a roupa do corpo e os lápis apontados.
 

Clara Vanali

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Sobre

 

Sou jornalista mas penso que ser jornalista é mais sobre investigar. Ser escritora é mais sobre observar. Aqui, me sinto mais escritora do 

que jornalista. Prazer, Clara ;)