O Escafando e a borboleta
Coloquei um pedaço pra ver hoje cedo. E segui até o final.
Escafandro é um filme que eu gostaria de ter feito.
Bonito. Bonito de doer. De chorar. De assistir a vida toda.
Jean Bauby só mexe o olho. Acidente vascular cerebral. Mas fala o tempo todo em pensamento. E vai lembrando…de quando fazia essas coisas gostosas que a gente faz todo dia…andar, comer, beber, fazer a barba, dirigir, espirrar, pentear os cabelos.
E eu que mexo os olhos, as mãos, os dedos, os cílios, as pernas, os pés ….estou perdendo alguma coisa?
Não acredito em céu, amigos. Não vejo vida após a morte.
Acho a vida maravilhosa e triste todos os dias. Nos vejo festejando todos os dias.
Gosto de festejar todos os dias. De amar todos os dias. E achar essa árvore de natal aqui do meu lado bonita. Se pudesse tirar uma foto mental, seria da janela da sala aqui de casa com o meu gato passando sobre ela.
Acredito mais em acasos fabulosos do que em destino.
Sou otimista nesta vida e pessimista pós-morte.
Vejo o ser humano como um mestre do ilusionismo por criar uma casa de bonecas. Trabalhamos. Pagamos conta. Criamos problemas. Resolvemos problemas. Vamos à manicure. Cortamos o cabelo. Fazemos compras. Arranjamos dramas. Engraxamos o sapato. Passeamos com o cachorro. Vivemos sem fim.
Somos inconformados. Criamos Deus. Mantemos a mente ocupada.
Combatemos o tédio. Estamos sempre nos distraindo.
Eu sei. Morrer é mesmo uma pena.
Um dia não vamos todos nos encontrar. Os mortos com os pré-mortos. Não vamos.
Talvez semana que vem se marcarmos um café. Digo, vivos com vivos.
O fim da vida é tão doloroso que só nos resta deixá-la bonita. Comemorarmos o réveillon. Torcermos por mais dias. Desejarmos que os aviões não caiam. Que os carros não corram. Que não tenhamos um ataque cardíaco. Um derrame.
Que dê tempo de fazer mais um monte de coisas não importantes.
E de eu treinar mais um pouco meu breve repertório no violão.
Escafandro é tão bonito que corta. É um filme que abraça nossa dor escondida e abre caminho neste monte de distrações.
Acabei o filme e voltei pra vida. Pra janela em que passa o meu gato. Para as balas de café em cima da mesa. Para eventos desimportantes. Para esse monte de beleza e para esses dias descompromissados no interior, cheios de tempo.
Eu tenho vontade de chorar várias vezes. Sinto emoções instantâneas. Daquelas que aparecem nos momentos bonitos e me trazem saudade imediata.
Tem sido dias tão bons.
Que a vida não os leve de uma vez.