28 #vigésimo 
oitavo gole
 
Oi queridos, tudo bem?
Vamos pro vigésimo oitavo gole?
 
Nesse carnaval, minha irmã que mora em Araçatuba veio passar uns dias comigo e trouxe com ela meu sobrinho, Benício, de 3 anos e meio. 
E olha, São Paulo visto pelos olhos de uma criança é informação pra caramba pra absorver. Eu não sei se pela idade dele - que ainda é pequeno, é um cotoco - eu não consegui sair desse fim de semana sem ganhar uns fios de cabelo branco a mais - cuidado com o carro, o ônibus tá passando muito perto, olha o ciclista, dá a mão pra tia, não encosta aí, aquele cara tá estranho, corre que o sinal abriu - e infinitas situações que vivencio diariamente sem pensar, mas me fizeram ficar em estado de alerta por estar com uma criança que poderia se assustar, se distrair ou não saber como agir rapidamente.
 
Indo um pouco atrás nessa reflexão….
Ter criança pequena é viver num mundo em que atuamos o tempo todo como o ator principal de A vida é bela: países estão em guerra, tá rolando uma pandemia, a vida é cruel, os dias são difíceis, mas organizamos um universo paralelo em que a violência não existe, os problemas são brincadeira e aconteça o que acontecer, eu estarei sorrindo pra você. 
A gente tá sempre fingindo. Eu não sei se a palavra é fingindo porque, na verdade, a criança tem esse poder de nos fazer esquecer da realidade pra brincar de Lego, mas é inevitável não ficar o tempo todo querendo proteger aquele serzinho da maldade da vida. 
E indo neste caminho, achei mais difícil manter esse fingimento em São Paulo, que te dá um tapa na cara a cada esquina. Em uma das ruas que atravessamos, tinha um menino da idade dele, bem magrinho, com as costelas aparecendo, sentado na calçada com uma placa pedindo ajuda. Benício perguntou: - por que aquela criança está ali?  Eu quis chorar e ir pra um quartinho escuro, mas falei: - porque ele é muito pobre e sua família precisa de ajuda pra comer. 
Nessa hora, percebi que ele ficou chateado com a situação e internalizou a dor pensando, de alguma forma, no porquê dele ter acesso à comida e aquela criança não. E eu…me senti derrotada por não conseguir adiar o contato do meu sobrinho com o sofrimento. Afinal, se ele já vai levar tanta chapuletada ao longo da vida, pra quê antecipar o choro? 
 
Acho que entendi porque alguns pais se mudam pro interior quando decidem ter filhos. A cidade grande pode ser cheia de oportunidades pra quem chega no auge da juventude, mas tem um ritmo avassalador que não me parece combinar muito com a infância. E desculpem a análise baseada em um fim de semana, não estou dizendo que não se pode criar filhos felizes em capitais, só acho que a carga de estresse me parece maior dentro de uma missão de cuidar - que já não é fácil. Posso estar completamente errada porque, na verdade, as crianças que nascem em metrópoles se tornam mais espertas, aprendem a se virar sozinhas, tem uma responsabilidade política e social bem mais consciente, desenvolvem o lado cognitivo rapidamente mas, enfim…….me deixa. Gosto de pensar que meu sobrinho cresce no interior sendo feliz enquanto protege as carambolas da chuva com a minha mãe, colocando-as em saquinhos enquanto estão no pé; que ele está se divertindo jogando milho pras galinhas no quintal e que aproveita um rio limpo quando molha os pés no tietê. Não tô fazendo campanha para colocar as crianças numa redoma de vidro, não é isso… só tô querendo atrasar uma angústia de mundo - que será inevitável. 
 
Mudando de assunto.
Escrever esta 28ª newsletter me lembrou do meu aniversário de 28 anos. Na data, pedi aos convidados que, em vez de presentes, me trouxessem 1 garrafa de vinho. E foi aí que ganhei umas 40 garrafas de vinho de uma vez - com a intenção de tomarmos todas naquela noite. Foi também uma ocasião em que meus pais e irmãs estavam em São Paulo e puderam estar comigo e meus amigos em uma festa, pela primeira vez. 
Minha mãe fez os brigadeiros, eu comprei umas esfihas e assim e reuni os convidados aqui no meu prédio, num dia de chuva forte, tomando vinho a noite toda - sem nos importar se as uvas eram iguais ou diferentes, se os vinhos eram caros ou baratos, nacionais ou importados…o meu melhor presente era estar ali com as pessoas que mais significavam pra mim. 

Fiquem bem <3 
 
E se você está chegando agora, pode ser que curta também o 10º gole. 
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
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parece que vamos morrer mesmo. não vai ter jeito. e por isso vou ficando cada vez mais emotiva. com cada noite inesquecível. com cada festa que acontece. e muito mais imediatista também. não quero nada pra amanhã. quero todos os encontros pra já. porque o que nós temos são esses dias, esses tempos que se despedem depressa. são pessoas chegando e saindo. são momentos que não podem esperar. obrigada por estarem comigo nesta. obrigada por ser tão reconfortante fazer 28 anos. 
 

Clara Vanali

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Sobre

 

Sou jornalista mas penso que ser jornalista é mais sobre investigar. Ser escritora é mais sobre observar. Aqui, me sinto mais escritora do 

que jornalista. Prazer, Clara ;)