33 #trigésimo 
terceiro gole
 
Oi, como vocês estão?
Vamos pro trigésimo terceiro gole?
 
Escrever é se desapegar sempre. 
Os textos com os quais eu mais me identifico são aqueles em que o escritor se abre com a honestidade com tudo de bom ou de ruim que acontece nos seus dias. Eu sei, nem tudo. Graças a Deus a gente filtra, mas sinceridade é a maior preciosidade desta vida. 
 
Me lembro uma vez, numa palestra de um cronista famoso da Folha, em que ele revelou que inventava grande parte de suas crônicas. Inventava mesmo - começo, meio e fim. E ele era tão bom nisso que eu ficava boba lendo seus textos, achando tudo verdade: o seu encontro com a ex, as brigas com a esposa, os amores arrebatadores…
Confesso que, depois de saber disso, perdi um pouco o interesse no escritor.
Não é que nós não podemos inventar. A gente pode. 
Há ficções lindas. Mas eu me apego mais a quem não inventa. 
 
Não é fácil revelar o diário de verdades, fato. A gente tá sempre se cobrando se não se abriu demais nisso ou naquilo. Uma vez, num livro que escrevi em conjunto com outras 11 escritoras (livro o qual recomendo muitíssimo a leitura, sem puxar sardinha pro meu lado, por ser um projeto no qual participei), escrevi a seguinte frase, logo no começo do meu capítulo:
 
“às vezes me pego pensando que, enquanto estou na frente do computador, meus pais estão envelhecendo.”  
 
Lembro de ter escrito isso, mas com receio do que essa frase poderia causar nos meus pais. Ficariam eles deprimidos achando que o tempo deles está acabando, porque envelheceram demais enquanto fiquei 16 anos trabalhando em São Paulo? 
Perdi muito da vida dos meus pais enquanto morei fora e de repente os vi velhos. E eles me viram velha também - aliás, essa é uma das sincronicidades da vida, todo mundo envelhece junto. 
Mas, ainda sendo verdade, não é muito dura essa constatação?
 
O livro foi impresso e meus pais jamais teceram um comentário sobre essa frase. Nunca perguntei a eles o que acharam mas, geralmente, a nossa sinceridade traz mais choque a nós mesmos do que aos outros.
 
É como abrir o instagram ao público. 
Conversando esses dias com uma amiga, ela me disse que eu deveria abrir meu instagram - que hoje é fechado. Isso certamente me daria mais visibilidade, mais acesso aos meus textos, mais possibilidades de aumentar o engajamento desta newsletter, reunir mais leitores pra perto…enfim. Me receio.
 
Meu instagram pessoal é meu álbum de família. É meu sobrinho, meus vinhos, minhas séries no sofá. Meus bares aos finais da sexta, minhas saudades nas tardes de domingo. E embora isso não seja muito diferente do que vocês vêem aqui, ainda assim me parece que as fotos congelam momentos importantes que não necessariamente quero abrir pros meus desafetos da adolescência, para pessoas que talvez não me desejem o bem, para desconhecidos que possam mergulhar por lá. Será que tô dando muita importância pro meu instagram?
 
Certamente sim.
Pois então qualquer dia, talvez eu o abra, leitor. E me permita alcançar mais pessoas pra chegar mais perto do meu sonho de escrever um livro meu, com um monte de crônicas que tenho guardadas na gaveta. 
Olha eu aqui falando de sonhos….e quem é que abre os sonhos para os outros? Só os escritores mesmo…..dos meus preferidos ;)
 
E pra você terminar essa newsletter com mais crônicas sinceras à mão, deixo aqui um trecho do livro de um cronista que eu amo, o Antônio Maria - que não é muito conhecido no hype - mas tem um livro lindo de crônicas que embala minhas noites, antes de dormir. Peguem essa constatação dele sobre os domingos: “O domingo que, há muito anos, vinha sendo o meu dia sem graça, fez-me redescobrir o seu bom ar e convenceu-me da sua alegria, como na meninice. Vou a pé por uma rua de Ipanema, vou andando sozinho, sentindo a tarde fresca e interessando-me pelas pessoas que encontro. O prazer físico de andar e estar só. O conforto de estar vestindo uma camisa muito maior que eu. A maravilha de não precisar falar.” 
 
E tem coisa melhor do que, às vezes, não precisar falar?
 
Fiquem bem <3 
 
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 25º gole.
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
enquanto você não encontra o certo, aproveite para curtir com os errados.
 
veja bem, amor errado.
não quero deixar o celular bloqueado na tela principal para que você não veja que eu te vi. eu acabei de tomar banho, de secar o meu cabelo, de preparar algo para comer e quero te escrever. qualquer coisa. estar disponível. mas estar disponível sozinho é muito errado.
whats’app. esse aplicativo tão rapidinho que deixou a gente tão devagar.
 
amor errado,
não ir ao cinema com você aos domingos à tarde é de uma falta tamanha. e você jamais aceitaria ir, porque ainda não nos apegamos o suficiente. e porque você não entenderia que filmes aos finais de semana não significam casamento.
filmes às vezes são apenas filmes com as companhias certas.
 
amor errado,
eu poderia te amar sem ter dois filhos com você, sem morarmos na mesma casa ou precisarmos fazer tudo em conjunto. você seria certo para mim assim. mas aí não seria você. porque você acredita que aproximação significa perder. 
e eu não tenho paciência para te convencer a ficar.
 
amor errado,
já pensei que você fosse o certo. mais de uma porção de vezes.
é que nos primeiros dias me deixo entreter porque gosto da sensação que isso causa.
é um livro novo, com páginas frescas. só você e eu.
mas descubro ainda cedo que você é errado. me frustro. me canso.
 
amor. não me peça mais para curtir o errado.
 

Clara Vanali

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Sobre

 

Sou jornalista mas penso que ser jornalista é mais sobre investigar. Ser escritora é mais sobre observar. Aqui, me sinto mais escritora do 

que jornalista. Prazer, Clara ;)