47 #quadragésimo
sétimo gole
 
Oi queridos, 
como vocês estão?
 
Quando entendi, aos 17 anos, que nunca mais viveria na casa dos meus pais, nunca mais ouviria o carro da minha mãe chegando com pão de queijo da padaria, ou meu pai balançando a chave ao abrir o portão, desabei com as minhas lágrimas no quintal de casa.
E de fato nunca mais voltei, nunca mais tive aquela rotina de casa. De passar o dia inteiro estudando pro vestibular, ir pra aula de educação física no meio da tarde ou ficar no telefone por horas com os amigos do colégio (já que estar só de manhã com eles não era o suficiente). 
A adolescência é uma fase cheia de gente e a vida adulta é cheia de trabalho. 
A gente sai de uma época em que as trocas são muito intensas pra, conforme envelhecemos, trocarmos menos e ficarmos mais no nosso casulo, com nossas poucas pessoas preferidas. 
 
No último fim de semana, fui pro interior - pra essa casa em que morei antes de me mudar pra São Paulo - e quando abri a porta do escritório onde eu estudava, senti o cheiro da minha apostila de história. E essa coisa de cheiro é muito poderosa, né. Me trouxe o ano de 2003, eu tentando me adaptar ao colégio novo, à prova de história mais difícil que alguém podia inventar e mais todas as emoções que envolvem o crescer. E acho que por muito tempo, mesmo morando em São Paulo, eu demorei pra me desapegar de tudo o que tive que deixar em Araçatuba. Os amigos, os telefonemas, as conexões que supostamente durariam até a velhice. 
 
Mas sabe, a gente tem uma urgência de ficar resolvendo tudo como se a vida fosse uma grande mesa de jantar, em que a louça tem que ser lavada imediatamente. E nem tudo é assim. A vida não é bem resolvida sempre. Nem tudo tem um ponto final, com uma reunião com as pessoas esclarecendo ponto A, B e C. 
E eu aprendi isso na marra, depois de completar 17 anos em São Paulo.
Os cosmos finalmente se alinharam, sabe? 
De certa forma, viver 17 anos em São Paulo, mesmo tempo que vivi em Araçatuba, fez com que o tempo viesse até mim com uma bandeira de paz e dissesse: você fez o melhor que pôde na época, guarde as lembranças com carinho e deixe-as. 
E então, a saudade apertada que eu sempre sentia da minha juventude no interior se cessou. Araçatuba deixou de ser um fantasma de lembranças pra se transformar num novo lugar, em que eu volto pra ver meu sobrinho, meus pais e minha irmã. Sem o peso de carregar minha infância e adolescência nas costas. 
 
Nem tudo precisa de um ponto final, mas se despedir integralmente das fases (nem que isso demore anos) faz um bem danado pro coração. 
 
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 27º gole.
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
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levei o computador para a starbucks da haddock lobo. entrei quase pedindo desculpas por ir lá apenas com a intenção de trocar o home office da minha casa pelo ambiente do café. e eu não era a única. ali mais parecia um coworking, cheio de gente, com mais pessoas trabalhando e fazendo reuniões, do que tomando café. 
fiquei até animada em fazer amigos. dei boa tarde, cheguei feliz. há 3 anos não dividia uma mesa de computador com alguém. não sabia se podia fazer ligações, falar alto, interagir. 
um moço pediu pra eu ligar a tomada do computador dele na parede atrás de mim. 
- obrigada / - de nada. 
dei dois telefonemas, mandei 5 e-mails e ouvi os dois caras ao lado avaliarem currículos recebidos. 
minha intenção de interagir, no entanto, falhou. alguns nem se mexiam. só olhavam o celular, computador e ouviam seus próprios barulhos.
em resumo, foi bom ter mais gente por perto. curtir um solzinho chegando nas pernas. sentir cheiro de café fresco a tarde toda. 
mas a solidão. ah, a solidão é a mesma de casa. ali, de fato, não havia ninguém.

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, mas aqui, nestes goles,  eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)