Oi queridos,
como vocês estão?
Eu demorei pra entender que viver é sempre deixar algo pra trás.
A gente não consegue seguir em frente se não esquecer um punhado de rasteira que já viveu.
Esses dias minha irmã me mandou por whats app o vídeo do meu sobrinho na sua primeira apresentação da escola. Ele estava feliz dançando com a turma quando um menino o empurrou pra trás. Ele não caiu no chão. Não foi um empurrão forte. Mas foi um empurrão.
E assistindo, fiquei mal. Com raiva da criança. Me pus a pensar que meu sobrinho de 4 anos não tinha que passar por aquilo e, enquanto esbravejava inconformada, minha outra irmã falou: - esse é só o primeiro empurrão que ele vai levar na vida.
Verdade. A gente toma tanta paulada pra “aprender”. Aprender que a vida é feita de uma fila de sofrimentos enquanto a gente tenta ser feliz.
É como se vivêssemos dentro de um
Show de Truman, naquele momento em que ele tenta sair da cidade, e é interrompido por incêndios, desvios e tempestades que nunca o deixam chegar no destino.
Uma vez meu pai me falou algo que eu nunca esqueci.
Lá pelos anos 2000, meu tio morreu de acidente de carro e foi um choque pra toda família. Eu - com meus 12 ou 13 anos - tentando aliviar a dor do meu pai por ter perdido o irmão, disse pra ele algo como: o sofrimento faz da gente mais fortes. Pois então meu pai respondeu: - eu acho que não filha, eu acho que o sofrimento faz da gente mais fracos.
Ninguém nunca tinha dito isso pra mim. Todas as vezes que eu sofria por algo, alguém sempre me dizia que isso ia me fortalecer. E eu acreditava que sim, com certeza, o sofrimento vem pra enriquecer nosso espírito. E aí, de repente, meu pai vem com essa cacetada me dizendo que, a cada soco, a gente se encolhe ainda mais.
Na época do colégio da minha irmã mais velha, havia um menino que dizia que ela ia “acabar com o ar da sala de aula” por causa do seu nariz grande.
Vocês imaginam o que era ouvir isso quando se tem 15 anos? Ele despejava nela: - sai daqui porque você vai acabar com o nosso ar.
O fato é que minha irmã sempre foi tímida, muito em parte por esse bullying que a fazia interiorizar cada agressão verbal e se enxergar pequenininha, num mundo cheio de gente horrível. Pois aos 24 anos ela decidiu operar o nariz, e eu fico pensando se ela teria feito isso não fossem as micro doses de ofensas da adolescência que acabaram fazendo-a acreditar que tinha algo errado consigo.
Eu concordo com meu pai. A cada tropeço a gente se amedronta, seja porque percebemos que a morte está mais próxima do que imaginamos ou porque um empurrão na escola nos joga na cara que o menino mais alto pode nos bater.
E acompanhando meu sobrinho pequeno e pensando no tanto de pancada que ele ainda vai levar, eu não desejo que ele fique mais forte, só desejo que ele consiga deixar isso ir. Que ele tenha esperança de cruzar seu caminho com pessoas boas e, que entenda que o sofrimento fica menor quando a gente aceita que o tempo abranda a dor, e a coloca num potinho pra não ser lembrada o tempo todo.
Viver é isso. É deixar pra trás.
Fiquem bem <3
E se você gostou desse texto, dá uma passada lá no 43º gole. Essa newsletter geralmente chega às terças mas esta semana quis enviá-la na quinta. Espero que tenha sido uma boa surpresa pra vocês.
Um beijo,
Volto logo.