61 #sexagésimo
primeiro gole
 
Oi queridos,
feliz ano novo!
 
Você só precisa me ajudar mais um dia.
(James Taylor)
 
Eu me lembro de Friends ser uma verdadeira comoção na época do meu colégio. Não existia streaming, então tinha-se que planejar para estar na frente da TV, no horário em que a série passava na Warner. Eu não era das pessoas mais fanáticas e não tinha a dimensão do quanto marcaram uma geração, mas, anos depois, em São Paulo, acompanhei algumas reprises e pude entender o quanto de química e talento exalava daqueles 6 amigos dentro de um apartamento em Nova York. 
 
Pois 1 mês atrás, de bobeira andando por uma livraria em São Paulo, trombei sem querer com o livro do Matthew Perry, que interpretava o personagem Chandler em Friends. Um livro que jamais estaria na minha lista de desejos porque nunca acompanhei a carreira do ator. Mas, na curiosidade de folhear, vi que Matthew já começava o texto assim: “Oi, meu nome é Matthew, embora talvez você me conheça por outro nome. E eu devia estar morto”. 
 
Só pra situar no contexto, Friends foi uma explosão de sucesso nos EUA. A maior de todas. A gente aqui no Brasil acabou pegando as temporadas com atrasos, mas lá fora, cada estreia era um furor. Os 6 atores eram quase desconhecidos quando começaram, mas terminaram a 10ª temporada como astros de Hollywood. Matthew até cita um momento em que, antes da 1ª temporada, saíram pra encher a cara sem que ninguém os reconhecessem porque sabiam que, depois do lançamento, suas vidas mudariam para sempre.
 
O livro, no entanto, não é (só) sobre Friends, mas sobre a vida de Matthew, que travou uma luta impressionante, longa e difícil contra o vício em bebida e remédios. Em todas (absolutamente todas) temporadas de Friends ele estava ou alcoolizado, ou drogado. Quando ele aparece mais gordo, era álcool. Quando muito magro, remédios. Foram 65 desintoxicações ao longo da vida e mais de 6 mil reuniões no Alcóolicos Anônimos. Em um determinado momento, ele estava tão viciado em um remédio pra dor, chamado Viticon, que chegou a tomar 55 comprimidos por dia. E o que mais me chocou foi saber que, em uma das crises, ele passou tão mal que acabou ficando semanas na UTI ligado num aparelho de ECMO, que é praticamente a última tentativa de salvar a vida de uma pessoa. Não é fácil sair vivo de uma ECMO, mas ele conseguiu. 
 
O relato de Matthew é absurdamente sincero. 
Eu adoro a frase Você só precisa me ajudar mais um dia -  que ele cita no começo do livro - porque pra sobrevivência dele, foi preciso a ajuda de muitas pessoas, em repetidas fases da vida. E quem nunca foi salvo por alguém, mais de uma vez? Às vezes a gente desiste, mas consegue sobreviver porque alguém não desistiu da gente. 
E é de uma boniteza também acompanhar Matthew abrindo seus fracassos amorosos, entre eles Julia Roberts (!), que foi um dos grandes amores da sua vida. A relação amorosa dos dois só não durou mais porque ele decidiu dar um fora em Julia antes que ela descobrisse seu vício e terminasse com ele. Imagina o remorso de ter terminado com Julia Roberts? Se a gente já sofre quando rompe de uns babacas, imagina se separar da Julia Roberts. 
Um pouco depois do término, Julia Roberts ganhou o Oscar de melhor atriz por Erin Brockovich - enquanto Matthew acompanhava a cerimônia pela TV de uma clínica de reabilitação em que ele estava. Partiu meu coração.
 
O livro pode ser encontrado em inglês e português e, pra mim, foi uma boa surpresa. Indico principalmente pra quem quer ver um bom exemplo de como não julgar as pessoas pela casca, porque realmente a gente nunca sabe pelo o que elas estão passando. 
Redes sociais são casca, fotos são casca, sorrisos são casca e a grama do vizinho pode não estar tão verde quanto a gente imagina. Matthew trabalhava na série mais desejada por qualquer ator e, mesmo amando seu trabalho, foi uma época infernal, permeada por um vício arrasador que ele chama de “aquela coisa terrível".
 
“A dependência química estragou tanto a minha vida que eu não consigo nem fazer piadas sobre isso. Ela acabou com meus relacionamentos. Acabou com o processo diário de ser eu mesmo. Tenho um amigo sem grana nenhuma, que mora em um apartamento alugado. Nunca fez sucesso como ator, tem diabetes, vive preocupado com dinheiro, não trabalha. E eu trocaria de lugar com ele num piscar de olhos. Na verdade, eu daria toda fortuna, toda a fama, tudo, para viver em um apartamento alugado em um programa assistencial do governo. Eu aceitaria viver preocupado com dinheiro se isso me livrasse dessa doença, desse vício”.  
 
Vale a leitura, corajoso e inspirador. 
 
E se você gostou desse texto, dá uma passada lá no 57º gole. 
Quer ler mais goles antigos? Estou organizando um site com as 60 edições já publicadas desta newsletter. Aviso assim que estiver pronto, em até duas semanas (espero!).    
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
 
Um rascunho perdido
(textos meus escritos em algum lugar do passado)
Image item
ela está pronta. com um delineador verde bem fininho para viajar 8 horas de ônibus. 
ela já vai voltar pra araçatuba sendo que pra mim quase não chegou. 
passou rápido, mãe. 
 você que sempre me diz que a gente tem que estar bonita pra situação que vier. hoje não consegui. tô aqui descabelada, com a roupa amassada, com o rímel já na bochecha, recém chegada de prazos e de um trânsito em são paulo que separa. 
tô aqui torcendo pra manifestação da paulista se estender pra você ficar mais. 
e para o relógio não bater dez. que é quando você vai. 
hoje, nas poucas horas que conseguimos ficar juntas, no restinho deste dia que não espera, você foi e deixou um monte de coisas. bolo de fubá. bala de gengibre e meu coração partido - que se viesse com delineador, estaria borrado. 
boa viagem, mãe. que raio de mundo depressa. não me conformo. te amo. 

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, mas aqui, nestes goles,  eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)