Oi, tudo bem?
Será que a gente deveria congelar óvulos?
Quando eu trabalhava na Editora Abril e tínhamos um grupo ótimo de amigas solteiras, lembro de vir a tona o assunto e _se não tivermos filhos quem cuidará de nós na velhice? e a Cris dar a sugestão de que poderíamos morar todas numa vila e ajudarmos umas às outras durante a nossa terceira idade.
Pois uma década depois desse papo, a Cris casou e teve filho, então já perdemos uma integrante do nosso bairro de senhoras solitárias.
Eu nunca visualizei uma família. Eu, marido e filho. Sempre visualizei trabalho, meu sonho era me realizar profissionalmente. E não que as duas coisas não possam caminhar juntas, mas é que parecia inconcebível pra mim cuidar de outro serzinho frágil e dobrar as preocupações que eu já tenho com a minha própria vida. Mas, ainda que me sentindo incapaz de estender minhas energias a outra pessoa, percebo que a gente, que não se reproduziu, saímos perdendo nessa.
Ah, mas você está jovem ainda, nunca pensou em congelar óvulos?
Acho menos difícil criarmos filhos quando somos mais novos, e ainda não tomamos antidepressivos e temos a coluna no lugar. A juventude tem essa coisa bonita de mascarar a finitude e acharmos que nada pode nos impedir.
Depois, a gente envelhece e vai ficando desencorajada. Tudo a nossa volta oferece riscos, o mundo não parece mais tão facinho de lidar.
Confesso que, hoje, não tenho otimismo suficiente para gerar uma criança pro mundo. Nem para tentar uma adoção. Mas posso prever que, um dia, eu sentirei saudades dos filhos que eu não tive.
Essa semana, gravei uma personagem para um vídeo, que é mãe de 2 crianças, uma de 4 anos e outra de 5 meses. A casa dela estava um caos. Eu nunca vi tanta bagunça na minha vida. E ela, mesmo com a ajuda e apoio incondicional do marido, tentava se encontrar numa rotina pesada, em que se despedia da licença maternidade e voltava ao trabalho.
Cara, que foda lidar com 2 crianças pequenas, eu jamais queria ter a vida dela.
Mas então, gravando uma cena dela dentro do carro indo ao serviço, ela me perguntou: você tem filhos? (eu sempre me espanto quando alguém me pergunta isso porque às vezes esqueço que envelheci e não tenho mais cara de estudante).
_não tenho filhos.
_pois tenha, é a melhor coisa do mundo.
Fiquei pensando que, naquele avesso que estava a vida dela, ainda assim, ela me aconselhava a ter filhos. Caceta. Ela dando tudo de si, sem dormir, sem tempo pra comer, com a casa pro ar, precisando voltar a trabalhar e ainda assim _tenha filhos, eles nos ensinam muito.
Existe um filme lindo passando nos streamings chamado
Sempre em Frente, que mostra momentos diários de um homem com seu sobrinho. Foi o longa mais bonito que eu assisti esse ano. Em uma das cenas, Jonnhy (com interpretação de ninguém menos que Joaquin Phoenix) vira pra criança de 6 anos e fala:
_no futuro, você não vai se lembrar desses dias que passamos juntos, mas eu vou. É uma memória que será só minha.
Se você fechar os olhos, leitor, você dificilmente se lembrará com detalhes dos seus 6 anos. Mas as pessoas adultas que conviveram com você na época, sim.
A gente perde a memória exata dos dias de criança, mas quem estava ao nosso lado certamente guardou cenas especiais desse convívio.
Talvez por isso, minha mãe sempre me pergunte:
_Não quer mesmo congelar óvulos?
Porque ela tem essa memória, de como é emocionante a troca com uma criança e como pode ser generosa a convivência com seus filhos, depois de adultos.
Hoje, eu com 36 e minhas irmãs com 39 e 41 anos, respectivamente, vejo como somos parceiras pros meus pais. Como a gente se ama e se respeita como família e como foi importante eles, um dia, terem decidido por terem 3 filhas.
O sentimento que temos uns pelos outros é a melhor coisa que levo desta vida.
Com certeza deve ter sido exaustivo por muitos anos. Meu pai trabalhando fora e minha mãe com 3 crianças dentro de casa. Eles vencendo cada etapa do nosso desenvolvimento, com as nossas birras e inseguranças do amadurecimento. Educar é brabo. Crescer é doloroso.
Mas nunca os vi reclamarem pra gente, de como foi difícil nos criar.
Talvez, com o tempo, os pais deem menos importância para o sofrimento de todo o processo, ou talvez, como disse minha personagem lá em cima_ tenhamos de alguma forma ensinado muito a eles também. Em cada palavra que aprendemos, nas descobertas espetaculares que fizemos - do verde das folhas à temperatura do arroz - nas experiências dos dias, nas viagens que os encorajamos a fazer, ou nas superações de doenças que vencemos juntos.
Ter filhos é andar de mãos dadas pra sempre no que houver de pior e melhor.
Não é necessariamente ter alguém para cuidar de você aos 80 e poucos anos, mas uma pessoa para dividir e não ter que enfrentar isso tudo sozinhos.
Compartilhar, meus amigos. Olhar para o lado e saber que aquele tipo de conexão, você não terá com mais ninguém. Quem sabe é esse, aliás, o grande motivo para estarmos aqui.
Eu, Clara, não terei filhos.
Mas sei que me farão falta.
Talvez, já façam.
Fiquem bem <3
Em especial, você pode gostar do gole 73.
Um beijo,
Volto logo.