Meu pai ficou mais sensível após os 50 anos assim como eu, depois dos meus 20.
Na última vez em que estive em Araçatuba, pegamos a estrada para dar uma passada no sítio, como de costume. Na caminhonete, tocava Roberto Carlos. E taí um cantor capaz de nos derrubar juntos. A regra ali era pular de faixa a cada música triste. Do contrário, eu e ele nos desmontaríamos em plena luz do dia.
Meu pai chora com filme de drama, músicas da sua época e quando digo que, às vezes, quero largar tudo e morar em outro país.
Eu choro de saudade, de incertezas e quando ele diz que demorará muito para me visitar.
Meu pai e eu somos objetivos, e nos perdemos no caminho quando a vida insiste em mostrar que é pura subjetividade. A gente não tem paciência pra shopping e vinho branco. O melhor mesmo é o tinto, a livraria e o parque.
Juntos, fazemos música, planos e repetições.
Juntos, lançamos previsões, erramos o cálculo, sentimos falta.
Juntos, incompreendidos.
Meu pai gosta da terra, do silêncio e de mim. Eu gosto de São Paulo, do muito e de nós.
Decisões de carreira, projetos e viagens é com ele. E assim, em meia hora de telefone, somos capazes de decidir o sul, o norte e o nosso ano inteiro. Decepções, fim de namoro ou insegurança, me resumo a dizer – “é emoção acumulada, pai.” E por aí ele entende que aquele não é um bom dia.
Meu pai não conversa na parte da manhã e eu só começo a dar risadas depois de um forte café. Quando ele não fala, eu falo por ele e então começamos a dizer, com vontade de não parar mais.
Nas minhas ideias mais absurdas, ele me responde com sim – “quero fechar esta sacada. quero mais almofadas na sala. quero molduras com nossas fotos na parede. quero compor. preciso de você para mudar.”
Ele topa e eu fico mimada, cheia de história.
Digo que estou pronta, ele me trata como caçula. Enrolo o cabelo, ele prefere liso. E no meio de tantas farpas, que aparecem em todas as famílias, a gente não briga.
Hoje é seu aniversário pai.
E separados por uma distância de 550 km, eu estou aqui contando a história de nós. Comemorando o seu parabéns, pelo pai e filha que somos. Pela família que tivemos sorte de fazer parte. Pelo melhor que conseguimos ser, quando buscamos juntos.
"e por isso eu te procuro tanto
e te telefono a toda hora,
pra dizer mais uma vez te amo,
como estou dizendo agora."
Roberto Carlos (eu te amo tanto)
* Na foto, eu com 12 anos. Ele com bigode.