40 #quadragésimo
gole
 
Oi, como vocês estão?
Vamos pro quadragésimo gole?
 
- A gente não consegue alcançar o céu, né? 
 
Não consegue, Benício. 
 
- Mas e o cachorro Tobias, que morreu e virou estrelinha, onde ele tá? 
 
Ele tá no céu. O céu fica longe, mas as estrelas estão todas lá. 
 
- - - 
 
Sempre que estou com meu sobrinho eu volto a acreditar em coisas que eu não acredito. As crianças são poderosas, né? Elas nos transformam em dinossauros, nos fazem seguir em caminhadas longas em busca de formigas gigantes e a esquecer da mortalidade da vida. Eu olho pro céu e, por um minuto penso: seria mesmo bom se, ao final de tudo, fôssemos pra lá. 
 
Mas no dia a dia é difícil fugir do looping. Eu me sinto demorando pra sair da pandemia. Não tô conseguindo fazer planos a longo prazo e depois de resolver tudo o que tenho no escritório, ligo pra minha mãe no interior e falo: vem me ver, nós vamos morrer, não temos esse tempo pra sempre. 
 
Na minha família, eu sou a que sempre joga na cara a mortalidade - dia sim, dia não. Esses dias li num livro uma definição de pós-vida que sempre esteve na minha cabeça: o que acontece depois da morte é igual ao que acontecia com você, antes de você nascer. Você não existia, certo? Pois então. 
E é como eu encaro o céu. Uma imensidão de estrelas que sobrevivem apenas em nossa memória e coração. 
 
Não me vejam com pessimismo, leitores.
Eu amo os dias e a vida é sobre isso (como bem diz o nome dessa newsletter). Essa constatação pessoal de finitude não faz mal a ninguém, só me traz uma urgência de tudo. E, de fato, as fases da vida acontecem exatamente na hora que têm que acontecer porque, aos meus 17 anos, estudando camadas de células na biologia e fórmulas chatas de física, eu não ficava pensando que os dias, um dia, acabariam. Eu focava no vestibular. 
 
Mas hoje, não tem um dia sequer que eu não acorde pensando: meu deus, eu preciso correr :: correr pros sonhos que me faltam, pra viagens que eu não fiz, pras histórias de amor que me esperam. 
Mas a rotina deste futuro que nos veio é uma maluquice, né? A gente tenta vencer o dia no meio de orçamentos, projetos, se alimentar bem, não pegar gripe, não pegar covid, caminhar na rua sem ser assaltada, ter vida social sem voltar com dor de garganta.  
 
Não que eu não tenha aproveitado a vida até hoje, fiz o que eu pude e tenho feito (e vocês também), é só que - conforme a gente amadurece - a casca de proteção (que é espessa quando somos crianças) vai ficando fina, sabe? E não temos mais ninguém nos dizendo que o céu é de estrelas. Só tem a realidade mesmo, com sua dureza, com as pessoas queridas envelhecendo e os nossos anos se passando rapidamente. 
 
Desculpem a cacetada. 
Fiquem bem <3 
 
Mudando de assunto.
Não acredito que chegamos em 40 goles. Eu quero um brinde. Seja com o café que está aí na sua frente, com chá ou vinho. Me conta quem são vocês? Me escreve um e-mail? Tô carente de recadinho de leitores. 
Tô aqui, não me esquece.  
 
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 22º gole. 
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
Image item
Meu pai ficou mais sensível após os 50 anos assim como eu, depois dos meus 20.
Na última vez em que estive em Araçatuba, pegamos a estrada para dar uma passada no sítio, como de costume. Na caminhonete, tocava Roberto Carlos. E taí um cantor capaz de nos derrubar juntos. A regra ali era pular de faixa a cada música triste. Do contrário, eu e ele nos desmontaríamos em plena luz do dia.
Meu pai chora com filme de drama, músicas da sua época e quando digo que, às vezes, quero largar tudo e morar em outro país.
Eu choro de saudade, de incertezas e quando ele diz que demorará muito para me visitar.
Meu pai e eu somos objetivos, e nos perdemos no caminho quando a vida insiste em mostrar que é pura subjetividade. A gente não tem paciência pra shopping e vinho branco. O melhor mesmo é o tinto, a livraria e o parque.
Juntos, fazemos música, planos e repetições.
Juntos, lançamos previsões, erramos o cálculo, sentimos falta.
Juntos, incompreendidos.
Meu pai gosta da terra, do silêncio e de mim. Eu gosto de São Paulo, do muito e de nós.
Decisões de carreira, projetos e viagens é com ele. E assim, em meia hora de telefone, somos capazes de decidir o sul, o norte e o nosso ano inteiro. Decepções, fim de namoro ou insegurança, me resumo a dizer – “é emoção acumulada, pai.” E por aí ele entende que aquele não é um bom dia.
Meu pai não conversa na parte da manhã e eu só começo a dar risadas depois de um forte café. Quando ele não fala, eu falo por ele e então começamos a dizer, com vontade de não parar mais.
Nas minhas ideias mais absurdas, ele me responde com sim – “quero fechar esta sacada. quero mais almofadas na sala. quero molduras com nossas fotos na parede. quero compor. preciso de você para mudar.” 
Ele topa e eu fico mimada, cheia de história.
Digo que estou pronta, ele me trata como caçula. Enrolo o cabelo, ele prefere liso. E no meio de tantas farpas, que aparecem em todas as famílias, a gente não briga.
Hoje é seu aniversário pai.
E separados por uma distância de 550 km, eu estou aqui contando a história de nós. Comemorando o seu parabéns, pelo pai e filha que somos. Pela família que tivemos sorte de fazer parte. Pelo melhor que conseguimos ser, quando buscamos juntos.
 
"e por isso eu te procuro tanto
e te telefono a toda hora,
pra dizer mais uma vez te amo,
como estou dizendo agora."
Roberto Carlos (eu te amo tanto)
 
* Na foto, eu com 12 anos. Ele com bigode.
 

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, mas aqui, nestes goles,  eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)