Oi,
como vocês estão?
Essas repercussões de assédio são aparentemente novas pro mundo dos homens (como se descobrissem, ooh, existem homens ruins então), mas para as mulheres são situações que acontecem desde quando ninguém falava sobre isso.
A primeira vez que comecei a ter medo de andar sozinha na rua foi aos 16 anos, em Araçatuba, voltando de um campeonato entre salas que meu colégio fazia uma vez por ano. E era uma época muito alegre em que personalizávamos camisetas, ensaiávamos coreografias e disputávamos jogos de várias modalidades como vôlei, futebol e handebol. Em um dos dias, depois do jogo, voltei a pé pra casa. A ideia era almoçar em casa e voltar à tarde pro estádio - onde rolava o campeonato - e curtir lá o restante das atividades do dia.
No caminho, no entanto, percebi um cara de bicicleta me olhando estranho. Fiquei com medo e não soube ao certo o que fazer, já que não havia ninguém perto de mim que pudesse ajudar. Continuei minha caminhada, e ele começou a pedalar mais rápido. Em poucos segundos, ele avançou com a bicicleta em cima de mim, passou a mão na minha bunda e saiu pedalando sabendo que, eu ali, nada podia fazer.
Na sequência, saí correndo no sentido contrário e cheguei chorando em casa, sem entender ao certo se o cara estava errado ou se era eu a errada porque, talvez, meu short fosse curto demais.
O mundo pras mulheres é assim né, manas. Os homens nos assediam e a culpada somos nós. Mas que cacete. Eu era uma menina de 16 anos voltando feliz pra casa, depois de uma manhã com meus amigos. Não é possível ter paz?
Anos depois, lá pelos meus 25 anos, já morando em São Paulo, fui num dermatologista pra ver uma alergia de pele. Mas durante toda consulta, ele fez perguntas indiscretas e bizarras como, por exemplo, se eu tinha namorado, se tínhamos relações sexuais e onde esse namorado trabalhava. Saí do consultório, liguei pra minha mãe e comecei a chorar de raiva. Me senti invadida e amedrontada por um médico que deveria cuidar de mim e não me paquerar. E, mais uma vez, culpa. Tinha sido eu muito simpática e isso deu algum tipo de abertura?
Desse dia em diante nunca mais me consultei com médicos homens e quando, em raras vezes, tive que ir em algum deles como um otorrino, por exemplo, me acostumei a fechar a cara e puxar zero assunto que não fosse referente aos sintomas que eu tinha. Porque o medo de que algo ruim aconteça é tão grande, que a gente se isola e tende a evitar qualquer situação que possa nos trazer risco.
Em 2013, quando a organização Think Olga lançou a campanha
Chega de Fiu Fui foi a primeira vez que entendi, de fato, o que era esse medo e que o medo não era só meu. Que assédios e abusos masculinos aconteciam o tempo todo, com mulheres do mundo inteiro, e que falar sobre isso é fundamental pra gente criar uma rede de mulheres que se apoia e luta pra diminuir essa violência de uma vez por todas.
A gente tá longe de diminuir, eu sei. Mas hoje a gente fala sobre isso. Aos meus 16 anos, eu pensava que era só um cara maluco em cima de uma bicicleta. Hoje eu sei que são abusadores nas ruas, consultórios médicos, ubers e, muitas vezes, dentro de casa. E que se a gente não espernear, se unir e falar, ninguém fará nada por nós.
Fiquem bem <3
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 39º gole.
Um beijo,
Volto logo.