Oi queridos,
como vocês estão?
Minha irmã diz que quando leio um livro pareço um submerso em um lago que, de vez em quando, coloca a cabeça para cima para ver se consegue tomar ar. Leio uma parte e olho para frente. Me afogo e volto a respirar.
Nesta tarde, o livro dizia:
“Fique com Deus, seu Natan – ele fez questão de falar. Cada vez que ouço Deus saltar da boca de uma pessoa que não parou para pensar na existência Dele por mais de cinco minutos na vida, fico irritado. Hoje em dia Deus e Jesus são sinônimos, e é impossível pagar um táxi, dar uma esmola, ou se despedir da faxineira sem que uma dessas entidades abstratas invada seus ouvidos. Dizem Deus, Jesus…falam Deus o abençoe e acreditam que têm esse poder, evocar a piedade de um ser supremo para uma pessoa que lhe fez um pequeno favor. (…) Ana era religiosa. Na mesma frase em que me contou que estava com câncer nos pulmões, acrescentou que Deus sabia o que estava fazendo. Gritei para ela esquecer aquela merda de Deus”.
Li em voz alta para a minha irmã. Quando encontro trechos como esse não consigo guardar para mim. Uma família chegou e sentou na mesa ao lado. O lugar era um café simpático e eu prefiro cafés ao ar livre em dias de frio. A bebida quente nesses dias fica mais interessante.
Eles chegaram acompanhados de um cachorro husky siberiano. Estalei os dedos para chamá-lo, uma outra moça também tentou passar a mão, mas o cão não parava e ficava de um lado para o outro cheirando os cantos, cadeiras, plantas, tudo. Os huskies são conhecidos por não serem muito inteligentes. Não obedecem e seguem procurando alguma coisa que não encontram nunca. Eu fiquei a imaginar que nós somos muito mais huskies do que labradores. Vivemos procurando, procurando, procurando alguém que não aparece. Que aparece e não parece ter interesse. Que aparece e desaparece. Que parece não ser o que estamos procurando. Somos huskies.
Agradeci a minha irmã por ter topado ficarmos ali naquela tarde fria, pelo sublime fato de estarmos com um bom livro e um café no ponto. Um casal do lado, mais velho, tomava uma garrafa de vinho. "Quero ser assim um dia, tomar vinho com alguém que eu goste num café às 5h da tarde” – disse a ela.
Um pouco antes dessa nossa pausa, durante uma volta no shopping, encontramos um amigo que eu não via há anos e que estava com seu bebê de 5 meses no colo. Um bebê absolutamente lindo e alegre. E esse meu amigo estava feliz. Aquele filho, definitivamente, tinha feito bem a ele. Ficamos por uns 15 minutos conversando enquanto minha irmã interagia com a criança, que não parava de dar risadas.
Já no café, enquanto eu lia algumas passagens do livro em voz alta, ela deixou o celular de lado e disse com os olhos marejados: “Não consigo parar de pensar naquele bebê. Eu tenho muito mais vontade de ter um filho do que de ter alguém”.
Eu acho linda a vida nesses momentos. Em que podemos demonstrar nossas vontades genuínas e chorar na frente das pessoas sem timidez. Ela sabe que pode marejar na minha frente porque eu vivo fazendo isso na frente dela. Minha irmã sempre quis ter um filho. Eu nunca tive isso como um sonho. Ainda não me imagino como mãe. Fiquei pensando onde estaria Deus para explicar porque é tão difícil trazer alguém para que ela se apaixone e tenha um filho. Não precisa ser um grande amor, pode ser apenas um amor. Quanta demora. Logo o tempo que passa tão rápido. Ela se preocupa com as horas que voam. Com a idade que segue correndo. Comentou que precisa comprar um relógio novo. Eu nunca consegui usar relógios. Me incomodam no pulso, ficam enroscando nas blusas e pensamentos.
Paguei o café. Ótimo livro, vou levar.
Entramos em uma loja de decoração para comprar um novo tapete para a entrada do apartamento. No meio das coisas, muitos enfeites de Natal preenchiam uma mesa junto a pisca-piscas e papais noéis. Uma mulher passou na frente de todos eles e, muito espontânea disse: “Já é Natal? Cacete”.
Cacete. Já é Natal mesmo.
Sem relógios, acabei perdendo as horas. O ano está no fim. E ainda estamos procurando. Dia após dia. Feito huskies. Feito relógios atrás de completar o tempo.
Nem tudo passa tão depressa.
Fiquem bem <3
Escrevi a crônica acima em outubro de 2013, e a publiquei hoje aqui pra celebrar essa newsletter de número 50. Nada como brindar uma conquista importante trazendo textos que fizeram parte da minha história. Obrigada pelos 50 goles que tomaram comigo. Obrigada por me acompanharem nos dias bons e ruins. Excepcionalmente hoje não tem a sessão rascunho perdido porque todo esse texto é um rascunho perdido.
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 45º gole.
Um beijo,
Volto logo.