55 #quinquagésimo
quinto gole
 
Oi queridos,
 
Eu pisquei e as mãos dos meus pais enrugaram. 
Fiquei parada no restaurante, de frente pro meu pai, olhando cada dobrinha que se formou na pele da sua mão. Achei tudo de repente. Será que foi rápido pra ele também?
Olhei pra minha. Vi marquinhas e feridinhas de pernilongos que cicatrizaram. E me coloquei a pensar quando é que a pele cansa de se manter esticada e decide relaxar. É como se ela ficasse ali, sustentando o nosso corpo uma vida inteira para, a partir dos 50, se permitir deixar. 
Deixar-se levar pelo tempo. Pela gravidade. Pela liberdade de não ter mais que cumprir um papel firme, podendo simplesmente curtir a velhice junto àquele organismo.
 
Quando criança, eu ficava esperando minha mãe voltar do trabalho pra vermos TV juntas. Ela deitava no sofá e eu no chão, ao seu lado, segurava sua mão e achava graça da sua pele fininha, das unhas de formato comprido e da elasticidade da pele que sustentava firme todos os dedos.
E então o tempo. E as rugas. Não importa o quanto de botox a gente coloque. Nas pálpebras, nas bochechas, na boca, no queixo. Um dia, nem que seja nos nossos 90, vamos ter que parar de aplicar botox - porque será ridículo - e nossas mãos também vão enrugar. 
 
Fiquei pensando que todas essas linhas que se dobram talvez sejam uma forma das mãos falarem: - veja só, menina, cansei de trabalhar. de digitar. de dirigir. de cozinhar. de carregar peso. de varrer. de puxar ferro. de ser lavada. de ser enxugada. de ser usada pra tudo neste teu mundinho. enruguei.
 
O chato de viver longe dos pais é que a gente envelhece separado. E quando nos encontramos, nossas mãos já não são mais as mesmas. A gente se olha, se estranha, percebe que são mais cabelos brancos do que pretos, que são mais áreas manchadas que lisas, que há menos pêlos na pele, menos sustentação no pescoço e que a braveza da vida exigiu bastante do nosso corpo ao longo dos anos.
 
Você já olhou suas mãos hoje? Já pensou no tanto de histórias que elas te acompanham? No pegar, gesticular, comer, se adentrar, no florescer. 

Em quanto tempo as peles se enrugarão? 
Será que estão nos mostrando - ei, vai viver, eu não vou estar aqui te sustentando pra sempre. 
 
Eu pisquei e o tempo passou. 
Me espera. 
 
E se você está chegando agora ou tem saudades de textos anteriores, te convido a ler o 49º gole. 
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
 
Um rascunho perdido
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
saí correndo até a janela pra ver a lua cheia.
fui como alguém espera uma pessoa querida chegar de viagem.
fiquei olhando para todos os cantos de céu que restaram entre os prédios na frente do meu.
não são muitos. são exatos dois pequenos pedaços de céu sem prédios.
é uma percepção esquisita de são paulo. uma cidade tão grande e avançada. 
mas onde não dá pra ver a lua. 
 

Clara Vanali

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Sobre
 
Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, mas aqui, nestes goles,  eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)