O caminho de volta
Hoje meu bilhete único estava sem carga. Mas eu só soube disso quando fui passá-lo na catraca do metrô e a máquina avisou que o saldo estava esgotado. Droga. Minha carteira ficara no trabalho no dia anterior. Nem me lembro porquê, vaivém diário, coisas de São Paulo.
E o quê a gente sente quando estamos dentro de uma estação de metrô, longe de casa, sem um real no bolso? Nem recarregar meu bilhete eu podia porque as máquinas de regarga não aceitam cartão de crédito. E como eu iria para o trabalho?
Resolvi sair da estação. Subi uma leva de escada rolante e quando cheguei até à calçada tinha um banco bem na frente, com vários caixas eletrônicos dentro. É por isso que eu gosto de São Paulo – pensei. Pela vantagem de se encontrar um banco ao lado de uma estação qualquer de metrô, que me permite tirar o dinheiro e seguir a vida normalmente.
Tirei o dinheiro, recarreguei o bilhete e segui. Feliz.
Esta cidade tem dessas. Dessas de oferecer facilidades mesmo quando nada parece dar certo. E não é só isso. É essa variedade de coisas que apaixonam, esses cinemas com filmes que a gente não consegue assistir em qualquer cidade, são as feiras livres nas ruas, os museus que eu ainda nem conheço, as comidas exóticas, as bebidas que aproximam os amigos que eu vejo todos os dias e aqueles que não vejo há um tempão.
Mas São Paulo também sabe oprimir e com a mesma carga de energia que consegue nos fazer feliz. E sabe qual é a parte opressiva de morar em São Paulo? Voltar para casa ao final do dia. Eu não sei explicar como, mas esse lugar tem uma capacidade sufocante de fazer uma reviravolta no nosso dia após às seis da tarde. Ela escurece e some.
Traz apenas o caminho cheio de sombras até o metrô. E mais um monte de gente seguindo o mesmo caminho, com os rostos cansados, jornais lidos pela metade embaixo do braço, notícias velhas, sonhos velhos, um desânimo que quer apenas nos levar pro lar. Logo.
A mesma catraca do metrô que nos enche de força e potência na parte da manhã é a que se fecha cheia de angústia desejando que você volte, se conseguir, no dia seguinte.
É interessante comparar os rostos que seguem às dez da manhã com aqueles que voltam às oito da noite. De dia as bochechas estão coradas, o rímel no lugar, os perfumes ainda cheirosos no pescoço. À noite, a constatação de que o dia foi apenas rotina. Nada de mais. Nada de menos. O mesmo.
E o que pega mesmo é a solidão. É conviver com milhares de pessoas que passam ao nosso lado nas ruas, é dar risadas no trabalho, entrevistar pessoas interessante, distribuir bom dia, compartilhar projetos, mas voltar para casa sozinhos, em um desconsolo que não há quem aguente. Apenas nós.
Às vezes, sentada em uma das cadeiras do metrô, tenho vontade de cutucar a senhora do lado apenas pra dizer – o seu dia foi cansativo, né? uma droga? então pode falar que foi, diga aí, grite no meio do metrô, não tem problema – nem sempre precisamos mostrar que somos as pessoas mais felizes do mundo. Diga, senhora, a todos eles, que a volta para a casa é sufocante, que esse horário é foda e que tudo parece longe, muito longe.
É a noite, é o caminho de volta. É o ciclo que abaixa as nossas energias para que a gente retome à condição de frágeis, sonhadores, soldados de um ir e vir que e é igual para todo mundo. São passos, um atrás do outro, que nos fazem reviver aquele dia inteiro em nossas cabeças – com ideias rodando e nos fazendo pensar que devemos diminuir a coleção de livros não lidos, que o jantar tem que ser melhor que um sucrilhos no prato e que estamos quase encontrando o amor de nossas vidas. Ou que estamos bem longe disso.
É a lua que não está cheia, é aquele dia sem compromissos interessantes, sem aniversários e sem bar marcado que nos faz apenas seguir andando e andando até o metrô, sozinhos, como somos na maior parte do tempo.
É a noite voltando para o metrô de São Paulo.
(este texto foi escrito na época em que eu trabalhava na editora abril, na marginal pinheiros,
e usava o metrô todos os dias como meio de inspiração pra escrever)