44 #quadragésimo
quarto gole
 
Oiê queridos, 
 
Tô numa fase fortíssima de ficar admirando o trabalho dos outros.
E não no sentindo de querer fazer o que a pessoa faz, mas no sentido de ficar embasbacada ao observar a beleza da aura que se cria ao redor de alguém que faz o que faz, com muita vontade.
 
Um dia desses fui produzir um vídeo numa loja de móveis de decoração. 
Coisa fina, design caro, peças de artistas brasileiros e gringos, high level. O curioso é que o nome da loja leva o nome do dono, e pra mim, só por isso, já significaria ver o dono - do computador da sua casa - mandando e-mails e escolhendo as peças da sua loja, do conforto do seu lar. 
A surpresa foi que, no dia em que fui lá gravar a montagem da vitrine desta loja, o dono não só estava presente, como pegando pesadíssimo no trabalho braçal. Havia 2 caras só pra fazer o trabalho duro de mover sofá de lugar, subir em escadas, desmontar lustres, carregar objetos pesados….mas o dono, que aqui nessa news vou chamar de João, fazia o mesmo trabalho que a dupla contratada, com um total de zero frescuras. João não parou um minuto. Carregou sozinho vasos de plantas enormes, pregou os quadros na parede, levou escrivaninhas pra lá e pra cá, desenrolou tapete, levantou poltronas sem pedir ajuda e, no tempo que fiquei lá - um total de 8 horas - não se sentou nenhuma vez. 
 
Eu sou meia abobada nessas coisas de ficar reparando no trabalho dos outros porque eu acho muito bonita a entrega de quem faz o que gosta (é um privilégio gostar do que faz, eu sei), mas João me cativou. Me fez ficar a gravação toda interessadíssima em observar como ele mexia cada peça para que, a sua loja, atingisse uma perfeição de vitrine. 
Porque na real ele podia apenas sentar num sofá e ficar conduzindo, sabe? Mas não. Ele quis ajudar, participar, fazer do parte do processo de ver a loja ganhando vida. 
 
O fato foi que, ao final da diária, quando nos despedimos, não pude deixar de dizer: “João, foi bonito demais ver você trabalhar hoje”. 
Ele agradeceu, com um sorrisão na boca e com a sensação de termos nos aproximado um pouco mais só pela minha sinceridade. 
 
E eu tô nessas agora, me deixa. Vou no cabeleireiro e acho bonito a paciência da cabeleireira em pintar cada mecha de cabelo. Vou no hospital captar entrevistas com médicos e me emociono ao ver como estudam incessantemente novos tratamentos de câncer. Assisto Pantanal e me choco de acompanhar todos aqueles atores irradiando talento nos sotaques, gestos e atuações, que me fazem esquecer que eles não moram no Pantanal, não nasceram na beira do rio e não viveram a vida toda daquela maneira. 
 
Acho bonito como a gente nasce sem saber nada das coisas e vai adquirindo habilidade e, por sorte, gosto por aquilo que faz, irradiando beleza em todo mundo que passa perto, sabe? Vocês já sentiram isso? De ver alguém colocando emoção em algo, que dá até vontade de ir lá falar: parabéns, que coisa mais linda ficar aqui observando você fazer o que faz.  
 
Fiquem bem <3 
Semana que vem não apareço por aqui porque preciso dar uma arejada nos pensamentos. Mas na próxima eu volto ;) 
 
A sessão rascunho perdido hoje está caprichadíssima, perde não. 
E se você está chegando agora, pode ser que goste de ler também o 29º gole. 
 
Um beijo,
Volto logo.
 
 
*Um rascunho perdido*
(textos meus escritos em algum lugar do passado) 
 
O caminho de volta
 
Hoje meu bilhete único estava sem carga. Mas eu só soube disso quando fui passá-lo na catraca do metrô e a máquina avisou que o saldo estava esgotado. Droga. Minha carteira ficara no trabalho no dia anterior. Nem me lembro porquê, vaivém diário, coisas de São Paulo.
 
E o quê a gente sente quando estamos dentro de uma estação de metrô, longe de casa, sem um real no bolso? Nem recarregar meu bilhete eu podia porque as máquinas de regarga não aceitam cartão de crédito. E como eu iria para o trabalho?
Resolvi sair da estação. Subi uma leva de escada rolante e quando cheguei até à calçada tinha um banco bem na frente, com vários caixas eletrônicos dentro. É por isso que eu gosto de São Paulo – pensei. Pela vantagem de se encontrar um banco ao lado de uma estação qualquer de metrô, que me permite tirar o dinheiro e seguir a vida normalmente. 
Tirei o dinheiro, recarreguei o bilhete e segui. Feliz.
 
Esta cidade tem dessas. Dessas de oferecer facilidades mesmo quando nada parece dar certo. E não é só isso. É essa variedade de coisas que apaixonam, esses cinemas com filmes que a gente não consegue assistir em qualquer cidade, são as feiras livres nas ruas, os museus que eu ainda nem conheço, as comidas exóticas, as bebidas que aproximam os amigos que eu vejo todos os dias e aqueles que não vejo há um tempão.
 
Mas São Paulo também sabe oprimir e com a mesma carga de energia que consegue nos fazer feliz. E sabe qual é a parte opressiva de morar em São Paulo? Voltar para casa ao final do dia. Eu não sei explicar como, mas esse lugar tem uma capacidade sufocante de fazer uma reviravolta no nosso dia após às seis da tarde. Ela escurece e some. 
Traz apenas o caminho cheio de sombras até o metrô. E mais um monte de gente seguindo o mesmo caminho, com os rostos cansados, jornais lidos pela metade embaixo do braço, notícias velhas, sonhos velhos, um desânimo que quer apenas nos levar pro lar. Logo.
A mesma catraca do metrô que nos enche de força e potência na parte da manhã é a que se fecha cheia de angústia desejando que você volte, se conseguir, no dia seguinte. 
É interessante comparar os rostos que seguem às dez da manhã com aqueles que voltam às oito da noite. De dia as bochechas estão coradas, o rímel no lugar, os perfumes ainda cheirosos no pescoço. À noite, a constatação de que o dia foi apenas rotina. Nada de mais. Nada de menos. O mesmo.
 
E o que pega mesmo é a solidão. É conviver com milhares de pessoas que passam ao nosso lado nas ruas, é dar risadas no trabalho, entrevistar pessoas interessante, distribuir bom dia, compartilhar projetos, mas voltar para casa sozinhos, em um desconsolo que não há quem aguente. Apenas nós. 
Às vezes, sentada em uma das cadeiras do metrô, tenho vontade de cutucar a senhora do lado apenas pra dizer – o seu dia foi cansativo, né? uma droga? então pode falar que foi, diga aí, grite no meio do metrô, não tem problema – nem sempre precisamos mostrar que somos as pessoas mais felizes do mundo. Diga, senhora, a todos eles, que a volta para a casa é sufocante, que esse horário é foda e que tudo parece longe, muito longe.
 
É a noite, é o caminho de volta. É o ciclo que abaixa as nossas energias para que a gente retome à condição de frágeis, sonhadores, soldados de um ir e vir que e é igual para todo mundo. São passos, um atrás do outro, que nos fazem reviver aquele dia inteiro em nossas cabeças – com ideias rodando e nos fazendo pensar que devemos diminuir a coleção de livros não lidos, que o jantar tem que ser melhor que um sucrilhos no prato e que estamos quase encontrando o amor de nossas vidas. Ou que estamos bem longe disso. 
É a lua que não está cheia, é aquele dia sem compromissos interessantes, sem aniversários e sem bar marcado que nos faz apenas seguir andando e andando até o metrô, sozinhos, como somos na maior parte do tempo.
É a noite voltando para o metrô de São Paulo.

(este texto foi escrito na época em que eu trabalhava na editora abril, na marginal pinheiros, 
e usava o metrô todos os dias como meio de inspiração pra escrever) 
 

Clara Vanali

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Sou jornalista de formação, tenho uma produtora de vídeos como ocupação, mas aqui, nestes goles,  eu apenas escrevo. 
 Prazer, Clara Vanali ;)